sábado, 25 de outubro de 2014


DCNT E O PROGRAMA "MAIS MÉDICOS"
 
 

Na postagem anterior foi apontado a deficiência do SUS nas políticas promoção e prevenção das doenças crônicas. Sendo o SUS a principal forma de acesso a saúde da população pobre. No entanto, é preciso destacar a importância do atendimento, diagnóstico e tratamento das DCNT na atenção básica da rede pública de saúde.

ATENÇÃO PRIMÁRIA E DCNT 

A rápida transição demográfica, a inversão da pirâmide etária com o envelhecimento da população, e a mudança epidemiológica, causada pela mudança de hábitos, aumento da ingestão de alimentos com ácidos graxos e alta carga calórica somada ao sedentarismo, aumentou o índice de DCNT. Somados a essas mudanças, o acesso inadequado à saúde de qualidade, com prevenção, diagnostico e o acesso a medicamentos, contribuem para o aumento da carga de doenças crônicas.
De 30% a 60% da população da região da América Latina e Caribe(ALC) não atinge os níveis mínimos recomendados de atividade física, e a obesidade está aumentando rapidamente. Estima-se que nas próximas duas décadas se tripliquem o número de pacientes diabéticos, com doença cardíaca isquêmica e a mortalidade por acidente vascular cerebral na região da ALC.
As DCNTs quando diagnosticadas precisam ser acompanhadas por médicos. Por exemplo, o controle da hipertensão exige: o monitoramento da pressão arterial, prescrição e adesão ao tratamento de medicamentos anti-hipertensivos; a coordenação com outros cuidados e com medicamentos; bem como, as mudanças de estilo de vida, como por exemplo, deixar o tabagismo, fazer dieta e exercício. Alguns estudos têm demonstrado que a mudança de hábitos é mais efetiva se incentivada por médicos.
No entanto, o Brasil sofre de carência de médicos principalmente em regiões periféricas, 22 estados possuem número de médicos abaixo da média nacional. O Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros países, como a Argentina, Uruguai, Portugal e Espanha. Foram ofertadas vagas para médicos brasileiros, porem não tiveram muitos adeptos. Surgiu, então, a necessidade da criação do programa mais médicos e de oferecer vagas a estrangeiros, principalmente cubanos.
FUNCIONAMENTO DO “PROGRAMA MAIS MÉDICOS”
Além de suprir a carência de médicos, o programa "mais médicos” prevê  o investimento na infraestrutura dos sistemas de saúde. O Ministério está investindo R$ 15 bilhões até 2014 em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde. Desses, R$ 2,8 bilhões foram destinados a obras em 16 mil Unidades Básicas de Saúde e para a compra de equipamentos para 5 mil unidades; R$ 3,2 bilhões para obras em 818 hospitais e aquisição de equipamentos para 2,5 mil hospitais; além de R$ 1,4 bilhão para obras em 877 Unidades de Pronto Atendimento. Esse investimento também contemplará os hospitais universitários.

Esse programa também prevê a criação de mais vagas no curso de medicina. Criou-se também o chamado “2º ciclo de Medicina”. Os alunos que ingressarem na graduação deverão atuar por um período de dois anos em unidades básicas e na urgência e emergência do SUS. O modelo brasileiro será inspirado ao que já acontece em países como Inglaterra e Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo. Outra ação do programa é a criação de mais cursos de medicina e um dos pré-requisitos de sua criação é a existência de pelo menos três Programas de Residência Médica em especialidades consideradas prioritárias no SUS – Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia/Obstetrícia, Pediatria, e Medicina de Família e Comunidade. A expectativa é formar mais especialistas nessas localidades, minimizando a dificuldade na contratação dos mesmos.
A POLÊMICA DOS “MAIS MÉDICOS”
Um estudo, feito em 200 cidades com 4 mil pessoas - o equivalente a 5% dos municípios atendidos - mostra que 80% dizem estar satisfeitos com o acompanhamento feito pelos médicos cubanos e 86% consideram que o atendimento melhorou depois da chegada dos profissionais.
Apesar dessa aparente aprovação, ainda existem críticas ao programa. Dentre as críticas está a mudança do currículo acompanhada da ampliação do curso de Medicina em mais dois anos. Segundo os críticos, essa medida afronta a Constituição Federal, criando, na prática, o serviço civil compulsório para médicos. Ou o ser meio médico, meio escravo.
Outra critica ao programa é a vinda de médicos estrangeiros sem revalidar o diploma para comprovar se estão ou não qualificados e a abertura de mais vagas em escolas médicas sem qualidade. Os críticos defendem que a parcela mais vulnerável e carente estará entregue a profissionais de formação duvidosa, já que o governo sinaliza que a importação em massa ocorrerá sem que os médicos formados no estrangeiro tenham de comprovar capacitação.
Críticos afirmam que a criação da bolsa de três anos com salário pago pelo Ministério da Saúde de R$ 10 mil (cerca de R$ 7, abatidos impostos) para atrair médicos, é mais uma cortina de fumaça para legitimar a vinda de profissionais de fora com formação inadequada. Os médicos brasileiros enfatizam a necessidade de condições para exercer a profissão com dignidade e resolubilidade, com infraestrutura, equipe de saúde completa e suplementos.
Diante das criticas, propõe solução para o problema da falta de profissionais de saúde nas periferias. Criou-se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 454/2009, que cria a carreira médica no serviço público, semelhante à de juízes e promotores. A medida evitaria a necessidade de importação de médicos sem aprovação do Revalida e, dessa forma, resguardaria o direito à saúde da população.
Apesar das criticas ao programa, o "mais médicos" prevê aumento no investimento em infraestrutura e algumas soluções à carência de médicos nas periferias. A saúde é um direito de todos, e o programa visa melhorar o acesso à saúde da população mais carente, acesso a médicos, medicamentos, exames, hospitais de referencia. Portanto, ele pode vir como uma forma de cuidar de pacientes com DCNT e outras doenças. As DCNT não serão mais tratadas exclusivamente aos ricos.
 

 
 


Referências:


 

sábado, 18 de outubro de 2014

 DOENÇAS CRÔNICAS E O SUS
 
 

 

Como dito nas postagens anteriores, as mudanças nos padrões de ocorrência das doen­ças têm imposto novos desafios, não só para os gestores e tomadores de decisão do setor da Saúde como também para outros setores governa­mentais, cujas ações repercutem na ocorrência dessas doenças. O desafio do financiamento das ações é um deles. Doenças crônicas custam caro para o Sistema Único de Saúde (SUS). Se não prevenidas e geren­ciadas adequadamente, demandam uma assistência médica de custos sempre crescentes, em razão da permanente e necessária incorporação tecnológica. Para toda a sociedade, o número de mortes prematu­ras e de incapacidades faz com que o enfretamento das “novas epidemias”, causadas por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), demandem significativos investimentos em pesquisa, vigilância, prevenção, promoção da saúde e defesa de uma vida saudável.
O tema está em destaque mundial, não só pela liderança das doenças cardiovasculares na mortalidade na grande maioria dos países, como pela já considerada pandemia da obesidade, inclusive em crianças e adolescentes. A endemia do diabetes é esperada. No Brasil a situação é grave. O envelhecimento populacional é rápido, com expectativa de aumento real das frequências da obesidade e o diabetes como problema populacional sem concomitantes estratégias de proteção e promoção da saúde no contexto das DCNT. Predomina maciçamente a prática clínica, mas sem assegurar o tratamento ininterrupto para as DCNT na rede básica de saúde.
 
Diabetes      A célula deixa de reconhecer a insulina, hormônio que permite a glicogênese
 tipo II       formação de glicogênio, reserva de energia em forma de carboidrato(glicogênio)
 
Nas próximas duas a três décadas, os atuais adultos jovens dependentes da assistência do SUS serão a grande massa de idosos que deixaram de receber, no momento adequado, a promoção e proteção para a saúde e/ou controle de DCNT, frequentemente instalada em idade precoce. Portanto, sem planejamento adequado e metas cumpridas para atender a esses futuros idosos, o envelhecimento ocorrerá com altas prevalências de simultâneas DCNT, parte delas com incapacidade. A projeção de pessoas ≥ 60 anos para o Brasil em 2050 é de 18% do total, a mesma prevista para o grupo 0-14 anos (IBGE, 2004) e atualmente as DCNT já representam 66% da carga de doença no País (Schramm et al., 2004). A longevidade cursará sem qualidade de vida e a seguridade social estará mais sobrecarregada, com difícil retorno.
 
POSSÍVEIS SOLUÇÕES

As DCNT são de difícil monitoramento na população pelo longo curso assintomático, por não serem de notificação obrigatória e por serem as coortes populacionais caras e desaconselháveis para países pobres. Porém, as redes de prevenção e controle das DCNT são organizadas por regiões, com objetivos e metodologias semelhantes nas regiões, mas com diferenças entre regiões, mostrando ser possível o monitoramento das DCNT em alguns dos países componentes das redes. A maioria deles conta com a participação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e suas representações nos países dos diversos continentes. É proposto que as experiências de sucesso possam ser repassadas a outros países das mesmas regiões, mesmo que não tenham sido planejadas para VE(vigilância epidemiológica), conquanto o monitoramento de variáveis selecionadas esteja subentendido nas propostas. São exemplos das redes os programas: CINDI (Europa), CARMEN (América), e outros.
A Coordenação-Geral de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis(DANT), da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, tem a responsabi­lidade de coordenar e formular, em nível nacional, as atividades de vigilância epidemiológica das DANT e promoção da saúde, fomentando sua implementação nos níveis estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde, SUS. A DANT estrutura-se em equipe técnica estável, acesso a bancos de dados, monitoramento com indicadores definidos, vigilância dos serviços e do impacto nos custos e agenda de trabalho estratégica.
 
A REALIDADE
 
No contexto epidemiológico e social do Terceiro Mundo, as previsões futuras para o Brasil, em relação às DCNT, até o momento, são sombrias. Persistem as políticas de saúde do País em optar maciçamente pela medicina curativa, pelo atendimento e tratamento das DCNT em serviços de urgência, emergência ou sob hospitalizações. O custo elevado dessas opções, obviamente reconhecido, não favorece as mudanças desejáveis. Esse é um aspecto já bastante conhecido daqueles que lidam com DCNT, dependente da burocracia, de difícil resolução, impedindo a prática da promoção e proteção da saúde, mesmo que se tenha incorporado essa ideia nos programas oficiais para tais doenças, em períodos governamentais sucessivos desde a década de 1980.
Os programas da hipertensão arterial e diabetes, criados na década de 1980 (Lessa, 1998), não apresentaram o desempenho esperado em razão de mudanças e de substituições ou desativações temporárias por cada nova administração central na área da saúde, sem que os mesmos tivessem sido avaliados. Em outros momentos, os programas não receberam – e ainda não recebem – o apoio essencial à sua manutenção e sucesso. Foram programas com propostas de educação e controle direcionados à hipertensão e ao diabetes, mas que não conseguiram se enquadrar na prevenção primária, de baixo custo, desviando-se exclusivamente para a prática clínica, onerosa, de restrito acesso e baixa cobertura.
Entretanto, a VE para DCNT no Brasil é uma decisão que não pode retroceder, mas será necessário um grande esforço para participação de todos os estados. O método progressivo da OMS é uma proposta válida, e poderá ser implementada selecionando-se as etapas com disponibilidade de dados, facilitando a adaptação dos recursos humanos a esse tipo de vigilância, especialmente nos Estados com maiores dificuldades com a organização da informação e análise. O ideal seria incluir de imediato a VE dos fatores de risco em todo o País. Com alguns ajustes nas fontes de dados, com a prática da prevenção precoce e garantindo-se a coleta de dados primários em períodos pré-definidos, pode-se afirmar que a VE para DCNT é viável
 
 É perceptível a necessidade da implantação de programas de vigilância, mas também , é notável que deve-se mudar a visão da medicina curativa. As DCNT são de longa duração, devem ser prevenidas e acompanhadas habitualmente. Atualmente, o SUS ainda não contempla todas essas necessidades e ainda tem o agravante de problemas como superlotação, mal atendimento, e falta de suprimentos. O acompanhamento das doenças crônicas é feito com maior qualidade na rede particular, corroborando com a ideia de que as DCNT são doenças de rico e DI de pobre.

 

 
Referências:
http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a14v9n4.pdf


 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014


DOENÇAS CRONICAS NA MÍDIA

 
Na ultima postagem foi evidenciado que doenças crônicas representam uma parcela substancial de morte no mundo, e que acometem todas as classes sociais e todos os países, independente do seu grau de desenvolvimento. No entanto, cabe questionar se a doença crônica está em evidência na mídia somente por seu índice estar aumentando ou por ela representar a maior preocupação da parcela rica da população. Além disso, sua ênfase na mídia pode ser resultado do preconceito histórico sofrido pelas doenças infecciosas, relacionadas aos negros e pobres, e seu histórico menosprezo.

 
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS NA HISTÓRIA

 

O médico Otávio de Freitas (1871-1949), sanitarista, tisiologista, fundador da Faculdade de Medicina do Recife, em seu livro “As Doenças Africanas no Brasil” (1935), atribui aos escravizados a responsabilidade pela introdução no Brasil, de quase todas as grandes endemias e de muitas doenças epidêmicas. Seu preconceito é tão óbvio e sua argumentação tão precária que hoje ninguém o refere para fundamentar análises da situação de saúde dos africanos no Brasil. No entanto, sua tese, compartilhada por muitos autores seus contemporâneos, de que a maioria das doenças infecciosas que se observam no território brasileiro a partir dos 1500 “migra” da África, sendo a tuberculose uma das poucas exceções, parece resistir ao tempo. Desconsidera-se, portanto, a participação dos europeus, parcela rica ou mais “evoluída”, na transmissão de doenças infecciosas.

A partir dos aportes teóricos do século XIX - notadamente o darwinismo, a fisiologia de Claude Bernard, e a etiologia infecciosa das doenças - vemos na primeira metade do século XX o desenvolvimento da geografia médica e da higiene; e com as pesquisas genéticas e a incorporação da estatística, a expansão da antropologia física, da biotipologia e da demografia médica. A geografia médica distribui as doenças por seus espaços próprios como as espécies animais e vegetais. Gera uma ecologia das doenças, definindo seus territórios (Andrade,2000); de onde elas podem ‘migrar’ transportadas por iventes ou coisas, mas, não mais surgir de forma autônoma em função de uma ‘conjuntura estilencial’. Os ambientes nocivos, as relações entre pobreza e doença mediadas pelos ambientes insalubres, passam a ter a mediação dos micróbios. E os pobres, não mais apenas seus ambientes, passam a ser portadores das doenças, dos micróbios. As raças e os tipos humanos são descritos em suas características e propriedades, e hierarquizados segundo suas capacidades. Finalmente, a explosão demográfica, estimulada pela excessiva reprodução dos pobres – mecanismo ‘natural’ compensatório de sua sobremortalidade – ameaça o desenvolvimento econômico. Percebe-se, portanto, que a preocupação quanto à erradicação das doenças infecciosas surgiu a partir do momento em que essas doenças começaram a afetar a parte rica da população.

Esse processo é notável ao analisar a revolta da vacina, no Rio de Janeiro em 1904. O Rio de Janeiro passou a sofrer profundas mudanças para sua modernização, com a derrubada de casarões e cortiços e o consequente despejo de seus moradores.. O objetivo era a abertura de grandes bulevares, largas e modernas avenidas com prédios de cinco ou seis andares. Ao mesmo tempo, iniciava-se o programa de saneamento de Oswaldo Cruz. Para combater a peste, ele criou brigadas sanitárias que cruzavam a cidade espalhando raticidas, mandando remover o lixo e comprando ratos. Em seguida o alvo foram os mosquitos transmissores da febre amarela. Finalmente, restava o combate à varíola. Autoritariamente, foi instituída a lei de vacinação obrigatória. A população, humilhada pelo poder público autoritário e violento, não acreditava na eficácia da vacina. Os pais de família rejeitavam a exposição das partes do corpo a agentes sanitários do governo. A população pobre desalojada ocupou a periferia. Algumas dessas periferias ainda hoje são insalubres, e fontes de doenças infecciosas.

Hoje, com o advento das novas tecnologias, houve a erradicação de algumas doenças infecciosas, o encurtamento das distâncias, como  também, uma facilidade na transmissão de doenças. Diante disso, doenças como a ebola, que só atingiam países da África, agora atingem outros países, ganhando repercussão na mídia e tratamento.



DOENÇAS CRÔNICAS E INFECCIOSAS NO MUNDO


 

Todos os anos, aproximadamente 2 milhões de crianças ao redor do mundo morrem de diarreia. Nos países mais pobres, a diarreia é a terceira causa mais comum de morte em crianças menores de 5 anos, ficando logo atrás das causas neonatais e da pneumonia. O número anual de mortes por diarreia em todo o mundo corresponde a aproximadamente o mesmo número de mortes por AIDS, incluindo todas as faixas etárias – atualmente esse número é estimado em 2,1 milhões. Contudo, a diarreia atrai muito menos atenção do que o HIV/AIDS ou outras doenças da moda. A diarreia é uma doença causada pelo consumo de água contaminada por parasitas, vírus ou bactéria. A solução a esse problema de expressão ainda significativa é o saneamento básico.

É evidente que o índice de mortalidade por doenças crônicas aumentou no mundo e que a transição epidemiológica teve causa na globalização dos hábitos alimentares não saudáveis (aumento da ingestao de acidos graxos e lipídeos, como a LDL ou com estrutura trans) e da vida sedentária, somados ao envelhecimento da população, como dito na primeira postagem. No entanto, o índice de doenças infecciosas ainda é significativo e digno de preocupação, como também, é de fácil solução, como a diarreia. Portanto, a ênfase midiática nas doenças crônicas deve-se ao aumento das DCNT no mundo, seu grande gasto governamental e o fato de as DI não terem a ênfase necessária, a não ser que atinja a classe alta da população.
 
Referências :
 
 
 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014


 

MUDANÇA NA CARGA DE DOENÇA AO LONGO DO TEMPO

 

                 Em 2007, cerca de 72% das mortes no Brasil foram atribuídas às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, DCNT, (doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes, câncer e outras, inclusive doenças renais), 10% às doenças infecciosas (DI) e parasitárias e 5% aos distúrbios de saúde materno-infantis. Essa distribuição contrasta com a de 1930, quando as doenças infecciosas respondiam por 46% das mortes nas capitais brasileiras. Essa mudanca radical ocorreu em um contexto de desenvolvimento econômico e social marcado por avanços sociais importantes e pela resolução dos principais problemas de saúde pública vigentes naquela época. Nesse sentido, à medida que os países se desenvolviam, as doenças infecciosas e parasitárias eram erradicadas.

                
Paralelamente a essa mudança na carga de doença, houve uma rápida transição demográfica no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, que produziu uma pirâmide etária com maior peso relativo para adultos e idosos. Crescimento da renda, industrialização e mecanização da produção, urbanização, maior acesso a alimentos em geral, incluindo os processados, e globalização de hábitos não saudáveis produziram rápida transição nutricional, expondo a população cada vez mais ao risco de doenças crônicas. Nesse sentido, a globalização de um novo estilo de vida , sedentário e com a ingestão de grande massa energética, atingiu todos os países, diferentes estágios de desenvolvimento. Entretanto, esse estilo de vida teve diferentes aceitações de acordo com a cultura da região, provocando diferentes índices de mortalidade por DCNT.  



 

BIOQUIMACAMENTE

            

 Nas regiões metropolitanas do Brasil, no período entre 1988 e 1996, observou-se um aumento do consumo de ácidos graxos saturados, açúcares e refrigerantes, em detrimento da redução do consumo de carboidratos complexos, frutas, verduras e legumes. Dados sobre o consumo de ácidos graxos “trans”, encontrados principalmente nas margarinas, alimentos tipo fast-foods e outros produtos industrializados, ainda são escassos. Entretanto, conforme Mondini & Monteiro (1995), entre 1962 e 1988 o consumo de margarina no Brasil subiu de 0,4 para 2,5% do total de calorias.  

           Observou-se também, um incremento da densidade energética, favorecido pelo maior consumo de carnes, leite e derivados ricos em gorduras. A crescente substituição dos alimentos in natura ricos em fibras, vitaminas e minerais, por produtos industrializados (Barreto & Cyrillo, 2001), associada a um estilo de vida sedentário, favorecido por mudanças na estrutura de trabalho e avanços tecnológicos (Popkin, 1999), compõem um dos os principais fatores etiológicos da obesidade.


 


PAÍS RICO X PAÍS POBRE

 

                 As doenças crônicas são a principal causa de incapacidade, a maior razão para a demanda a serviços de saúde e respondem por parte considerável dos gastos efetuados no setor. Segundo Lorig et al. (2001) a prevalência de problemas crônicos de saúde vem aumentando, entre os adultos, em todos os grupos etários. Elliot et al. (2000) referem que 47% da população do Reino Unido relata dor crônica em diferentes localizações. Estudando idosos de uma comunidade em Porto Rico, Cordero et al. (2000) registram 20,0% de prevalência de hipertensão arterial, 17,8% de artrites e reumatismos, 16,5% de doenças do coração e 10,9% de diabetes. Percebe-se que tanto países desenvolvidos quanto os subdesenvolvidos, que teoricamente sofrem mais de doenças infecciosas, apresentam parcela significativa da população sofrendo de DCNT.

 

          A utilização de serviços de saúde pelos portadores de problemas crônicos de saúde é consideravelmente maior do que a observada entre a população em geral. Analisando os gastos em saúde efetuados pelas organizações administradoras de saúde (HMO) norte-americanas, Chris Rauber (1999) aponta uma estrutura de gastos que destina 84% dos recursos para tratamento e recuperação e apenas 16% para prevenção dos agravos. Os portadores de doenças crônicas, embora correspondam a cerca de 20% dos clientes, consomem cerca de 80% dos recursos.

        Diante dessa realidade, o que distingue países desenvolvidos de subdesenvolvidos a respeito de doenças crônicas, não é a incidência na população, mas, sim, o preparo para lidar com elas, ou seja, o recurso destinado. Enquanto os países desenvolvidos estão preparados para lidar com doenças crônicas, os países em desenvolvimento estão erradicando as doenças infecciosas e estão começando a destinar recursos para as DCNT, causando um agravamento na situação.
 




DOENÇA CRONICA E STATUS SOCIAL

 

          Diferentemente de outros problemas de saúde, os problemas crônicos parecem afetar com frequência semelhante os diversos grupos sociais, ainda que sua gravidade possa variar, sendo maior entre os socialmente excluídos, conforme observado por Trevena et al. (2001) ao comparar a prevalência de doenças crônicas entre moradores de rua e a população geral em Sidney, Austrália. Portanto, doenças crônicas não são exclusivas da parte rica da população.           
          Paradoxalmente ao pressuposto de que DI acometem mais aos pobres, e DCNT, aos ricos, pesquisas mostram que grupos étnicos e raciais menos privilegiados tem enorme participação na carga resultante de DCNT, desproporcional ao que representam na população brasileira. Um exemplo desse problema é a população indígena moderna.

              
  As populações indígenas brasileiras estão passando por mudanças intensas em sua relação com a terra, o trabalho e a urbanização, o que está afetando sua saúde de maneira sem precedentes. Como em outros países, em relação à alimentação, os povos indígenas vêm sofrendo uma rápida mudança, caracterizada por um ganho de peso generalizado, maior que a média nacional. Por exemplo, os Xavante localizados na região das Reservas Indígenas Sangradouro-Volta Redonda e Pimentel Barbosa tiveram uma prevalência de obesidade em 1998-99 de cerca de 25% nos homens e 41% nas mulheres. Acredita-se que a dieta cada vez mais ocidental e a redução da prática de atividades físicas por conta de mudanças macrossociais sejam as causas diretas desses níveis de obesidade. Consequentemente, obesidade, hipertensão e diabetes estão se tornando questões de saúde pública cada vez mais graves nessa população.



          Pode-se concluir que a incidência de doenças crônicas não está relacionada ao maior poder aquisitivo da população (status social), ou ao maior desenvolvimento de um país. Ao contrario do que se pensa, as DCNT tem atingido todas as classes sociais e todos os países com diferentes níveis de mortalidade. Esses níveis estão relacionados, na verdade, a cultura da região quanto aos hábitos alimentares e às praticas físicas, estilo de vida repassado pela globalização. Como também a falta de preparo de países em desenvolvimento para lidar com as doenças crônicas,  agravando a situação da população mais carente, que sofre mais com essa situação.
 

            Se ser chique é ser diferenciada e um modelo a se seguir, então, talvez o chique não seja o "status" que uma doença tenha, ou a quem ela acomete, talvez o chique seja manter os hábitos de vida saudável e feliz.

 

 

referências