quinta-feira, 9 de outubro de 2014


DOENÇAS CRONICAS NA MÍDIA

 
Na ultima postagem foi evidenciado que doenças crônicas representam uma parcela substancial de morte no mundo, e que acometem todas as classes sociais e todos os países, independente do seu grau de desenvolvimento. No entanto, cabe questionar se a doença crônica está em evidência na mídia somente por seu índice estar aumentando ou por ela representar a maior preocupação da parcela rica da população. Além disso, sua ênfase na mídia pode ser resultado do preconceito histórico sofrido pelas doenças infecciosas, relacionadas aos negros e pobres, e seu histórico menosprezo.

 
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS NA HISTÓRIA

 

O médico Otávio de Freitas (1871-1949), sanitarista, tisiologista, fundador da Faculdade de Medicina do Recife, em seu livro “As Doenças Africanas no Brasil” (1935), atribui aos escravizados a responsabilidade pela introdução no Brasil, de quase todas as grandes endemias e de muitas doenças epidêmicas. Seu preconceito é tão óbvio e sua argumentação tão precária que hoje ninguém o refere para fundamentar análises da situação de saúde dos africanos no Brasil. No entanto, sua tese, compartilhada por muitos autores seus contemporâneos, de que a maioria das doenças infecciosas que se observam no território brasileiro a partir dos 1500 “migra” da África, sendo a tuberculose uma das poucas exceções, parece resistir ao tempo. Desconsidera-se, portanto, a participação dos europeus, parcela rica ou mais “evoluída”, na transmissão de doenças infecciosas.

A partir dos aportes teóricos do século XIX - notadamente o darwinismo, a fisiologia de Claude Bernard, e a etiologia infecciosa das doenças - vemos na primeira metade do século XX o desenvolvimento da geografia médica e da higiene; e com as pesquisas genéticas e a incorporação da estatística, a expansão da antropologia física, da biotipologia e da demografia médica. A geografia médica distribui as doenças por seus espaços próprios como as espécies animais e vegetais. Gera uma ecologia das doenças, definindo seus territórios (Andrade,2000); de onde elas podem ‘migrar’ transportadas por iventes ou coisas, mas, não mais surgir de forma autônoma em função de uma ‘conjuntura estilencial’. Os ambientes nocivos, as relações entre pobreza e doença mediadas pelos ambientes insalubres, passam a ter a mediação dos micróbios. E os pobres, não mais apenas seus ambientes, passam a ser portadores das doenças, dos micróbios. As raças e os tipos humanos são descritos em suas características e propriedades, e hierarquizados segundo suas capacidades. Finalmente, a explosão demográfica, estimulada pela excessiva reprodução dos pobres – mecanismo ‘natural’ compensatório de sua sobremortalidade – ameaça o desenvolvimento econômico. Percebe-se, portanto, que a preocupação quanto à erradicação das doenças infecciosas surgiu a partir do momento em que essas doenças começaram a afetar a parte rica da população.

Esse processo é notável ao analisar a revolta da vacina, no Rio de Janeiro em 1904. O Rio de Janeiro passou a sofrer profundas mudanças para sua modernização, com a derrubada de casarões e cortiços e o consequente despejo de seus moradores.. O objetivo era a abertura de grandes bulevares, largas e modernas avenidas com prédios de cinco ou seis andares. Ao mesmo tempo, iniciava-se o programa de saneamento de Oswaldo Cruz. Para combater a peste, ele criou brigadas sanitárias que cruzavam a cidade espalhando raticidas, mandando remover o lixo e comprando ratos. Em seguida o alvo foram os mosquitos transmissores da febre amarela. Finalmente, restava o combate à varíola. Autoritariamente, foi instituída a lei de vacinação obrigatória. A população, humilhada pelo poder público autoritário e violento, não acreditava na eficácia da vacina. Os pais de família rejeitavam a exposição das partes do corpo a agentes sanitários do governo. A população pobre desalojada ocupou a periferia. Algumas dessas periferias ainda hoje são insalubres, e fontes de doenças infecciosas.

Hoje, com o advento das novas tecnologias, houve a erradicação de algumas doenças infecciosas, o encurtamento das distâncias, como  também, uma facilidade na transmissão de doenças. Diante disso, doenças como a ebola, que só atingiam países da África, agora atingem outros países, ganhando repercussão na mídia e tratamento.



DOENÇAS CRÔNICAS E INFECCIOSAS NO MUNDO


 

Todos os anos, aproximadamente 2 milhões de crianças ao redor do mundo morrem de diarreia. Nos países mais pobres, a diarreia é a terceira causa mais comum de morte em crianças menores de 5 anos, ficando logo atrás das causas neonatais e da pneumonia. O número anual de mortes por diarreia em todo o mundo corresponde a aproximadamente o mesmo número de mortes por AIDS, incluindo todas as faixas etárias – atualmente esse número é estimado em 2,1 milhões. Contudo, a diarreia atrai muito menos atenção do que o HIV/AIDS ou outras doenças da moda. A diarreia é uma doença causada pelo consumo de água contaminada por parasitas, vírus ou bactéria. A solução a esse problema de expressão ainda significativa é o saneamento básico.

É evidente que o índice de mortalidade por doenças crônicas aumentou no mundo e que a transição epidemiológica teve causa na globalização dos hábitos alimentares não saudáveis (aumento da ingestao de acidos graxos e lipídeos, como a LDL ou com estrutura trans) e da vida sedentária, somados ao envelhecimento da população, como dito na primeira postagem. No entanto, o índice de doenças infecciosas ainda é significativo e digno de preocupação, como também, é de fácil solução, como a diarreia. Portanto, a ênfase midiática nas doenças crônicas deve-se ao aumento das DCNT no mundo, seu grande gasto governamental e o fato de as DI não terem a ênfase necessária, a não ser que atinja a classe alta da população.
 
Referências :
 
 
 

7 comentários:

  1. Gostei muito da retomada histórica sobre as doenças infecto-parasitárias, pois nela podemos perceber que o preconceito socio-econômico associado a essas doenças tem raízes coloniais, da época da escravidão no Brasil, e esse mesmo preconceito é um dos fatores para as DI não possuírem a adequada atenção da mídia. Ao olhar agora a parte de Ciência e Saúde de um grandes portais de notícias (G1), por exemplo, percebi que somente duas manchetes tratavam de doenças infecto-parasitárias, sendo estas o ebola e a AIDS (ambos transmitidos por vírus). Uma curiosa semelhança que podemos notar na história dessas patologias é o fato de que ambas permaneceram muito tempo sem destaque na mídia, provavelmente por estarem "associadas" à grupos marginalizados (o ebola aos países africanos pobres e a AIDS à comunidade homoafetiva). Tais doenças só obtiveram o destaque adequado quando começaram a atingir as parcelas consideradas mais importantes na sociedade, e somente a partir daí houve um investimento maciço na busca da cura para as mesmas. Logo fica um questionamento: até quando vamos ignorar as 2,1 milhões de mortes por ano causadas pela diarreia? E quantas outras doenças poderiam ser erradicadas com um mínimo de atenção por parte da sociedade?

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  2. Achei bastante interessante a sua postagem fazendo alusão histórica às doenças infecciosas. Ficou claro que os párias da sociedade ( os negros antigamente, os pobres hoje) sempre foram alvo de preconceito por parte da população mais rica, que os considerava portadores das doenças, nunca atribuindo a si mesmo à culpa disso. Exemplo disso é caso da Revolta da Vacina ocorrida no Rio de Janeiro, na qual as pessoas mais pobres se revoltaram pois os agentes sanitaristas invadiam suas casas e aplicavam a vacina contra a varíola a força, como se eles fossem responsáveis pela disseminação da doença. Com o tempo percebeu-se que, embora entre os mais pobres haja mais chance de proliferação de doenças, os mais ricos também são afetados e também contribuem para espalhá-las. Foi só ai que a preocupação em erradicar as doenças infecciosas surgiu, mais uma prova do preconceito existente com os menos favorecidos.

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  3. Pelo post, constata-se que as doenças infecciosas ainda estão presentes e matam milhares de pessoas do mundo, atingindo principalmente regiões escassas de saneamento básico, como em diversos países da África, que sofrem com a incidência de diarreia em crianças, e outros países subdesenvolvidos. Porém, tais fatos não são levados tanto em destaque pela mídia, em comparação com as doenças crônicas,que é frequente nas classes mais altas da sociedade. Isso está diretamente ligado á divisão econômica atual em países mais ricos e mais pobres, de modo que as doenças que acometem a classes mais pobres da sociedade são negligenciadas e esse é um dos motivos pelo qual essas doenças ainda então muito presentes no mundo, apesar de serem relativamente mais fáceis de solucionar, como aborda o texto. Tal contexto, também tem uma conotação histórica, já que no período colonial os africanos foram considerados os únicos culpados pela chegada de doenças parasitárias no brasil, enquanto os europeus, baseados na ideia preconceituosa de serem ''mais puros'' foram eximidos de tal ato. Assim, o ponto inicial para a solução das DI é a superação do próprio preconceito existente na sociedade, que separa ‘’ricos’’ e ‘’pobres’’, para que sua importância seja tão relevante quanto as doenças crônicas.

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  4. As doenças infecciosas não são consideradas chiques. Por isso costumam ser abordas na mídia somente em reportagens esporádicas quando ela deseja ser politicamente correta e tenta nos convencer de que também se preocupa com os problemas que acometem com a parcela da população mais pobre, e não, apenas, com os que, supostamente, os pobres causam à elite.
    As patologias são em nossa sociedade um mecanismo imaginativo de divisão de classes. Pela ótica míope e preconceituosa, ao longo da história como foi dito, as doença infecciosas foram - e inacreditavelmente ainda são para alguns - "coisa" de pobre, de gente sem higiene e proliferadora de germes. E as doenças crônicas são coisa de rico, de gente chique. Sabe-se, no entanto, que assim como as chiques DCNT afetam os pobres, as DI, também, afetam os ricos. A diferença é que a ocorrência de doenças infecciosas é maior entre os mais pobres. Porquanto, eles integram a parcela sociedade que está mais sujeita a doenças infecciosa, não por serem "porcos", mas sim por viverem em condições desfavoráveis, com saneamento básico inadequado ou inexistente, e por apresentarem estado nutricional deficitário. Ou seja, estão mais expostas aos agentes patológicos e mais "indefesas" a eles.
    Se "chique" é o que está na moda, e moda é aquilo que possui grande representatividade em um rol, as DI também deveriam ser consideradas "chiques".

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  5. É impressionante perceber como práticas usuais na atualidade ocorrem meio que por costume, sem o interesse popular de se saber o porquê dessa prática. Quando olhamos a história, percebemos um trajeto tomado até essas práticas e então entendemos os seus motivos, que muitas vezes vão contra nossos princípios. A o caso da maior importância da a doenças crônicas é um ótimo exemplo de como a história pode nos explicar as razões dessa prática, mostrando como a discriminação para com as classes de renda mais baixa é ponto chave nessa análise.

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  6. O aumento da expectativa de vida da população aliada à melhoria das condições de saúde da população levou ao aumento da prevalência das doenças cronicas na população. Porém as doenças infecciosas continuam atingindo certa parcela da população, principalmente as periferias e bolsões de pobreza, áreas onde não há saneamento básico e a dificuldade no acesso aos serviços de saúde. E é relevante citar ainda que certas doenças infecciosas que antes matavam em um curto tempo, com a descoberta de diversas tecnologias de tratamento, estão possibilitando que os portadores possam viver por longos períodos com a doença mantida sob controle, como é o caso da AIDS. Desse modo, ela é uma doença infecciosa mas que, como nas crônicas, o portador poderá conviver com ela, em alguns casos, por um longo tempo.

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  7. As doenças crônicas em sua maioria estão de fato relacionadas aos maus hábitos alimentares e ao estilo de vida que as pessoas têm hoje, por isso há uma grande dificuldade de combatê-las. A vida moderna propiciou benefícios e conforto para as pessoas, mas por outro lado trouxe malefícios como o sedentarismo e uma gama de alimentos calóricos. As pessoas mais humildes, em sua maioria, estão mais propensas às doenças crônicas pelo fato de não possuírem estruturas adequadas em relação a habitação, educação e saúde. Isso vale para as doenças crônicas transmissíveis ou não.

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